quarta-feira, 26 de maio de 2010

Admirável mundo novo

No livro de Aldous Huxley que empresta o título para este post, as pessoas são condicionadas psicologicamente a viverem dentro de certas leis e regras sociais sem contestá-las. Qualquer dúvida é dissipada com o uso de uma droga chamada "soma", distribuida para todas as pessoas gratuitamente.

A nossa sociedade ainda não distribui nenhuma droga química para padronizar as pessoas, mas já temos algumas outras drogas que tal qual a "soma" são inoculadas sistematicamente nas mentes das pessoas. O tal "politicamente correto" é uma tentativa de engessar o pensamento dentro de regras incontestáveis que marginalizem o incômodo. É o que chamo de radicalização da tolerância.

E no apogeu desse império dos "tolerantes", chegará o dia em que decretarão a abolição da gargalhada e a clandestinidade do espanto.

Se em outros tempos havia uma obscura ditadura de costumes conservadores, incluindo aí a marginalização de comportamentos e grupos minoritários como homossexuais, negros, judeus e outras assim chamadas "minorias", hoje o marginalizado é o indivíduo que ainda se choca.

O cidadão pode estar numa lanchonete num domingo à tarde e ver duas mocinhas se beijando na frente de todos que o seu espanto é que ofende. A regra agora é não se chocar com nada. Se servirem um prato de ração canina pra ele e ele não pegar um talher e começar a comer, dirão que não é um bom humano porque não come a mesma coisa que oferece ao seu cão.

Exageros de lado, a verdade é que o politicamente correto se define por duas linhas básicas de atuação. A primeira é que você não deve se ofender com nada que te ofenda. Você precisa ampliar sua tolerância cada vez mais para ser uma "pessoa boa".

A segunda é que você passe a considerar ofensivo tudo aquilo que você não considere assim. Uma piada, um termo, um conceito, uma idéia, qualquer coisa que era normal até ontem, deixa de ser no politicamente correto. Você precisa se tornar uma fábrica de eufemismos para viver bem nesse mundo novo.

Não existe mais opção sexual, é "orientação sexual". Grupo de risco é "comportamento vulnerável". Homossexual é "homoafetivo". Drogado é "usuário de drogas". Preto virou "negro" e depois "afro-descendente". Sexo, isso mesmo, se é masculino ou feminino, é "gênero". E por aí vai, a paranóia não tem limites.

Fico imaginando onde isso não vai parar. Corno pode virar "indivíduo casado com a namorada de outro". Baixinhos ou grandalhões passarão a ser igualmente chamados de "cidadãos de dimensões diferenciadas". Incompetente seria um "profissional com capacidade não definida". Vagabundo seria "cidadão com excessivo desapego pelo trabalho".

Fazem isso como se mudar o nome pelo qual alguma coisa é chamada fosse mudar sua essência.

Antigamente qualquer colégio tinha brincadeiras como jogar bolinhas de papel um no outro, pregar peças nos amigos, colocar apelidos. Hoje isso é "bullying". Não pode. É feio. Vai parar nos jornais e termina em processo. Professores dizendo que qualquer coisa é "burrice" então é um pecado. Inadmissível, deixa os alunos traumatizados. A mãe tem que "conversar" com os filhos. Se der esporro ou palmada a criança pode crescer com desvio de conduta e terminar até sendo frígida.

Termino achando que todas as gerações até hoje deram muita sorte. Nossos professores nos davam broncas homéricas, levávamos chinelada quase todo dia, colocávamos apelidos terríveis nos amigos, contávamos piadas cabeludíssimas e no entanto não produzimos mais imbecis, psicóticos e idiotizados do que a geração politicamente correta produziu, creio que eram até em menor quantidade.

Atualmente as piadas precisam ser "do bem", não podem ofender ninguém. Comer carne é feio, porque animais são amigos e não comida. A pesca também é cruel, porque algumas arraias são presas nas redes. Fumar charuto é feio porque dá mau exemplo.

Mais um pouco concluem que o futebol é ruim para a sociedade, sabe como é, às vezes um time sai vencedor e a sua torcida faz chacota com a do adversário. A outra torcida fica ofendida na sua condição de derrotada, fica traumatizada, pode causar uma tensão social desnecessária e a única solução será uma lei que determinará que todo jogo de futebol só pode terminar em empate. Assim nenhum tipo de igualdade será ferida.

É por isso que não consigo imaginar alguém politicamente correto que não tenha prisão de ventre. Tanta bosta na cabeça tem que vir de algum lugar.

7 comentários:

Larissa disse...

"Fazem isso como se mudar o nome pelo qual alguma coisa é chamada fosse mudar sua essência."

adoreei.. e o pensar por si mesmo também acabou, as pessoas não sabem mais o que é isso.

Jubarulho disse...

Adorei esse post!

Eu levei foi muito tapa na orelha, bronca, castigo, chinelada, e, PASMEM não tenho trauma algum! Incrível, não?!

Fora que, hoje, tudo é doença. Criança arteira agora sofre de hiperatividade ou DDA. Ah! Por favor!

Na verdade, eu acho que hipocrisia mudou de nome. E, no meu ponto de vista, ser politicamente correto não é ser "de bem". É ser vaselina, em cima do muro ou eclético como vc já disse noutra ocasião.

Meus pais me ensinaram a respeitar o próximo, a tratar as pessoas com educação, pedir licença, agradecer, a pensar (graças a Deus!), trabalhar, buscar o que eu quero.

Isso, sim, é ser de bem. E no fim, de admirável o mundo novo não tem (quase) nada.

Parabéns pelo post!

Suely Pavan disse...

Excedente texto. Sou psicóloga e uma coisa que aprendi é que para crescer é necessário saber lidar com frustrações, e ninguém morreu por isto, ao contrário. Além do mais quem é sempre politicamente correto se engessa e torna-se um grande hipócrita. Ontem li um texto do Brito Junior, na mesma linha, pelo visto eu, você e um monte de gente estamos literalmente de saco cheio de tanta padronização, deu pane no sistema!!

Laís disse...

é...o meio termo é sempre difícil...

Eu já levei umas chineladas da minha mãe, já briguei na escola, bati em garotos, tive apelidos, e também não virei uma idiota.

Em compensação quase perdi uma grande amizade justamente porque a gente saiu um dia desses e ela simplesmente sugou uma garota do nada na mesa, e não me deu o direito de me chocar...

Não há santo que desça na terra e me convença de que emos/putos é nova evolução da humanidade.

Sinceramente eu não faço a menor idéia do que esse mundo tá virando. Talvez esteja virando do avesso.

@twittuka disse...

Acho que essa onda do politicamente correto surge quando um povo não sabe conviver com o que é diferente de si e tem preconceito. As classes, ou criaturas que mais comumente sofrem esse preconceito (exatamente por serem diferentes da maioria) tornaram-se esquizofrênicas e a mania de perseguição os faz acreditar que tudo o que dizem é preconceito e é contra eles e acabam criando o preconceito ao contrário com essa babaquice de politicamente correto. Por exemplo, meu pai é descendente direto de alemães, é loiro e tem olhos azuis, os amigos o chamam de alemão. Se ele fosse descendente de africanos e fosse preto e o chamassem de negão seria preconceito, porque alemão não é? Outro exemplo, eu hoje estou vários quilos acima do peso ideal, mas já fui magérrima no passado.Tanto antes qto agora, os amigos me puseram apelidos, às vezes engraçados e carinhosos, outras vezes cruéis. Se vou me importar com isso enlouqueço. É preciso saber lidar com frustrações e com aquilo que não nos é favorável. Estamos criando uma geração de delicados, a quem não se pode dizer nada. Palmada no filho? Nem pensar, melhor deixar a criança berrando e batendo a cebeça no chão do supermercado até que você ligue pro gerente do banco, peça um empréstimo e possa finalmente dar o brinquedo que ele quer e que vai jogar num canto assim que entrar em casa, qdo fará outra crise de birra pedindo outra coisa...

@Angel_Azevedo disse...

Politicamente corretos = invariavelmente chatos

Marise disse...

Bem, eu tenho que concordar, porque sou do tempo em que quando Freud não explicava, Lampião entrava em ação!
Dei boas chineladas nos meus filhos, coloquei de castigo e dei a educação necessária para a formação deles.
Não me arrependo e que eu saiba, não tem nenhum traumatizado por aí.
Boa reflexão!
Todos nós temos que aprender a lidar com os "não" da vida e suas consequentes frustrações.
Bjs

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