terça-feira, 29 de junho de 2010

Criança e Consumo

"Nunca vou esquecer quando meu filho de 3 anos pediu para eu ir ao posto Shell”, diz uma das mães entrevistadas no filme "Criança, a alma do negócio", digirido pela cineasta Estela Renner.

Esse assunto sempre despertou minha reflexão, pois convivo quase diariamente com duas crianças na faixa dos sete anos e percebo a influência avassaladora da publicidade nas suas vidas.

Sejam lanchonetes transformando a comida numa forma de ganhar brinquedos, sejam fabricantes de junk food invadindo a casa das pessoas através da TV e incutindo hábitos cada vez menos saudáveis nas crianças, seja a simples necessidade de possuir um determinado brinquedo para ser "igual" aos coleguinhas ou até mesmo a erotização e o abreviamento da infância através de roupas, hábitos e programas que criam mini-adultos, percebo que a infância cada vez mais é vista como um negócio e as crianças como forma de tomar dinheiro dos pais.

Tudo isso ficou mais claro ainda quando recebi por email a compilação de vídeos abaixo:

Esqueça a ética. Esqueça o respeito pela fase mais bela e importante das nossas vidas. Não sou um desses conspiratórios que vê inimigos em tudo, mas também não tenho dúvida alguma de que empresas só se preocupam com a saúde de um único órgão do consumidor: seu bolso. O resto que se dane.

E é muito mais fácil atingir o bolso dos pais através dos filhos, já que é muito mais fácil convencer uma criança do que um adulto. E o que vemos a partir dessa idéia? Bancos, administradoras de cartão, grandes magazines, supermercados, fabricantes de automóveis e diversos outros ramos de negócio apostando em mascotes, em desenhos animados, em brindes para os filhos do potencial consumidor, na clara intenção de influenciar a família através do seu ponto mais "fraco".

"Mãe, vamos ao posto da Shell!" - É claro que a preocupação do menino não era com a qualidade da gasolina ou os 30 dias para pagar a conta no cartão de crédito, e sim algum brinde anunciado pela rede de postos.

Num primeiro momento a mãe poderia pensar "que mal há nisso?", mas se ela pensar mais a frente verá que a empresa abriu mão de negociar com um adulto para obrigá-lo a ir até ela através do convencimento do seu filho, transformado em promotor de vendas.

Tradução: não quiseram lidar com gente do seu tamanho.

E cada vez mais encontramos essas influências negativas da indústria e da propaganda sobre a infância. Isso gera estresse familiar, porque você pode estar passeando num shopping com sua filha, dar sorvete a ela, levar ao cinema, comprar um vestido que ela achou bonito e ainda dar um bichinho de pelúcia de presente, mas se ela passar na frente de uma loja de brinquedos e ver a "Barbie Astronauta Missão Marte" e você não quiser gastar 100, 200, 300 reais naquela coisa, porque sabe que ela já tem a "Barbie Lua" e a "Barbie Júpiter", a criança vai reclamar, chorar e estragar o seu passeio.

Os pais que tem algo na cabeça preferem frustrar a criança - já que educar é sim, frustrar - do que gastar seu dinheiro para comprar 20 minutos de paz, mas uma grande parcela prefere comprar a felicidade instantânea do filho, fazendo justamente o que a indústria da propaganda espera que ela faça.

A pergunta que sempre me faço em relação a estes pais é: e o dia que o filho ou a filha estiverem crescidos, um amigo da faculdade ganhar um Audi e a família só puder dar a ele um Celta, ou não puder dar carro algum? O que se pode fazer nesse momento? Porque a educação dada, o exemplo dado, é o não-exemplo, é o não-limite.

Não precisamos alienar nosso filho da sociedade. Ele pode comer McLanche Feliz e ganhar seu brinde de vez em quando, pode ganhar brinquedos mais caros no aniversário, Natal e Dia das Crianças, pode aderir a algumas modas, mas deve saber que aquilo é a exceção, é a concessão, não é o normal.

O normal é arroz com feijão, é um brinquedo barato, é uma roupa de criança, é brincar na praça, é o dever de casa, é ficar descalço no quintal.

Amar também é dizer não.

3 comentários:

josefine sawaarya Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ . disse...

muito bem argumentado teu texto, confeço que como professora de ed. infantil vejo acontecer muito tudo isso falado acima, vejo mães que na minha frente negociam o bom comportamento do filho em troca de presentes da midia, eu como educadora não admito tal comportamento em ambos. O que menos a criança quer são brinquedos, ela quer mesmo é a atenção dos pais, carinho e chamadas de atenção quando necessário e os pais em vez disso, pra nao ter trabalho, condicionam a criança a essa troca de favores viciante e desgastante para os dois e a midia se aproveita dessa falha para influenciar, e a relação pais e filhos vai para o ralo. é um caso para se pensar e pra se mudar. vamos amar mais nossos filhos.
Se eu, mãe solteira, universitária, trabalho, ganho um salário minímo, conssigo pq não se esforçar um pouco mais e amar mais momento de estar com os filhos?

Tati Lula disse...

No estilo adotado atualmente de modelo de educação, sem considerar a educação na escola alfabetização...,as crianças não podem receber não..., pois ficariam frustradas... Mas, um não bem aplicado, na hora e momento certo vai conduzir esta criança a uma vida adulta saudável. Uma criança que só recebe sim e recebe tudo que quer, mesmo que signifique o pai e mãe afundarem numa finaceira, são adultos (maioria), que vemos hoje refletindo uma sociedade extremamente consumista.
Portanto, se o pai, ou mãe amam seu filho sabem que conversar e dizer um não, parece que vai enfraquecer o relacionamento pai e filho, mas são estes filhos que vão valorizar a vida dos pais quando idosos, que vão agir com responsabilidade e terão uma vida mais sustentável.

André Luís disse...

Amar é também dizer não, quando isto é necessário.

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