Relutei um pouco antes de escrever sobre isso aqui, sério. Sempre alguém te interpreta mal e termina achando que você é um "monstro malvado" que deseja apenas perpetuar e enaltecer as divisões de classe, mas se quem escreve opinião começar a temer fazê-lo, vai prestar para que? Virar petista, entrar num sindicato e ganhar a vida pendurado na jugular do contribuinte?
Um dia desses fui na padaria com a minha enteada de 7 anos e comprei uns pãezinhos que ela simplesmente adorou, comeu, comeu, comeu e quando não aguentava mais eu disse "vou deixar uns pra você levar pra comer no recreio amanhã", e foi aí que me surpreendi: a mãe dela disse que a sua escola não permite que as crianças levem merenda.
Se houvesse uma boa tradução para o português para a expressão "whatafuck!?", a teria utilizado na mesma hora. Como assim um colégio não permite nem que os pais da criança mandem, sei lá, um Toddynho, um biscoito ou o bom e velho sanduíche de queijo com presunto da hora do recreio?
Recebi a explicação, aliás, as duas explicações para a cubanização da merenda escolar:
1) A escola buscava assim zelar pela boa dieta dos alunos.
2) (esse é o mais assustador) As crianças que tem mais condições financeiras, fatalmente levariam merendas melhores e isso poderia chatear as que não poderiam levar a mesma coisa.
Pausa aqui para vocês rirem um pouco se quiserem e também para jogar água com sal em toda essa Coréia do Norte instalada no parque dos escorregas.
Pronto, continuemos.
O que eu enxergo aí, e não entrarei no mérito de "métodos educacionais" pois no Brasil com seus professores cada vez mais ideologizados e mal preparados tudo isso é piada de salão.
Vivemos num país em que professores de história chamam a Coca-Cola de "água negra do imperialismo" e os EUA de "grande satã", logo de nossas madrassas tropicais pode-se esperar tudo, mas essa interferência extrema aí me chamou muito a atenção, por tratar-se de procedimento adotado num Colégio de Aplicação Federal, o que leva qualquer um a crer que essa seja a "política" que nosso querido governo aplica por aí afora.
Porque tanta tempestade num copo de suco de groselha, vocês podem estar se perguntando. Sei que, sob certo ponto de vista, isso até facilita a vida dos pais que não terão que se preocupar com o que seus filhos comerão na escola, mas é o precedente, é o estado através da escola passando por cima do poder discricionário dos pais e assumindo por eles o que é "melhor para seus filhos" que me deixa alarmado.
Educar em relação aos males do consumo excessivo de refrigerantes, doces, comidas pouco saudáveis é uma coisa desejável. Proibir, mandar pro paredón esse ou aquele alimento, acho que não.
Esse erro é comum na sociedade atual. É mais cômodo para alguns pais jogar a conta da criação dos seus filhos na escola. Seja a pública (péssima), seja a privada (só um pouquinho melhor), sobre essas instituições está sendo jogada a criação e a formação de centenas de milhares de crianças e adolescentes, coisa que definitivamente não é seu papel.
A outra coisa que me espantou, na verdade me causou calafrios, foi essa explicação do "aluno mais abastado ofendendo o aluno menos abastado com sua merenda".
Amigos, eu estudei num colégio particular em que 99% da minha turma tinha mais dinheiro do que eu. Tinha colegas de turma que, aos 16 anos, iam de motorista particular para a escola e esquiavam nos feriados. Posso garantir a vocês 3 coisas: nunca fiquei traumatizado por isso, nenhum deles jamais tirou uma torrada e passou caviar nela na hora do recreio e só fui conhecer chocolates Godiva já adulto.
Nossa sociedade, aliás, qualquer sociedade que não seja composta na sua quase totalidade por miseráveis explorados por um regime ditatorial como o cubano por exemplo, possui diversas classes sociais.
Isso não vai mudar porque alguma diretora, um dia, proibiu o leite achocolatado na hora do recreio e fez a escola inteira beber mate. Esse tipo de proteção ridícula, que busca criar um falso nivelamento (já que ele existe de fato) só contribui para criar a tal "revolta" que um dia aquela criança que tomou mate ao lado da outra sentirá ao ver que o coleguinha ganhou uma lambreta ao fazer 18 anos enquanto ele ganhou um vale-transporte.
Gente mais ou menos rica existe e não é anormal.
A extrema pobreza é que é anormal e tem que ser combatida. O resto é da economia de mercado. O país oferece oportunidades iguais? Não. Possui arremedos como bolsas e cotas, mas oportunidades de ascensão social não. Nos EUA você chega hoje, vira garçon amanhã, daqui a um tempo é dono do restaurante se quiser e se esforçar para isso. No Brasil morreria garçon. Não é "nivelando" a merenda escolar que isso vai mudar e Cuba está aí pra provar isso.
Não digo que crianças tenham que se "conformar" com sua situação e "aceitar" uma fictícia sociedade de castas, mas que elas desde cedo tem que aprender que existem pessoas mais ricas e mais pobres do que elas e que só depende delas o seu destino e a sua futura condição social.
A beleza da economia de mercado, da livre iniciativa, da economia desestatizada é isso: tudo só depende de você, da sua preparação, da sua vontade. Receber bolsas de estudo, incentivos, estímulos é muito saudável e é aí que se faz justiça. Mas nenhum "comissário" jamais vai analisar sua ficha ideológica para descobrir se você pode ou não comprar um televisor para sua casa.
E infelizmente, ao que parece, em nossas escolas os comissários já proibiram o Toddynho.
segunda-feira, 22 de março de 2010
O socialismo da lancheira
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14 comentários:
Estudei em escolas públicas e ainda sim existiam alunas que tinham mais dinheiro que os outros, e isso nunca foi problema, pelo menos para mim. É realmente complicado entender esse tipo de arbitrariedade. Mas se eles os proíbem de levar lanche, pois que os alimentem direito, pois se os pais não podem cuidar disso, eles que cuidem.
Grande Marcos. No Brasil - e tb mundo afora, existe uma esquerda ridícula que idolatra Cuba (e até a Coréia do Norte, eu acho), como se fossem os últimos bastiões do seu (deles) regimes fracassados. Ao mesmo passo, que existe também por aqui uma direita identicamente míope, só que rumando em direção aos republicanos dos EUA, que acham que a reforma do sistema de Saúde é um "socialismo golpista". Aliás, nos EUA, alguns até precisam de um cineasta errático como o Michael Moore, para lhes mostrar o óbvio, tamanha a ignorância política de boa parte da população.
Aqui, qualquer decisão de governo ou até pedagógica que estabeleça cotas, regras, enfim, o que for a fim de estreitar o imenso abismo social que ainda nos assola, são encarados como táticas de guerrilha, em vez de analisadas de forma coerente, caso a caso.
In casu, uma decisão da escola, como essa narrada por você, não tem nada de "cubanização" das escolas tupiniquins, tampouco um socialismo barato que busca nivelar a dita elite com o tal do baixo clero. Percebo que se trate apenas de uma forma de pedagogia, que acontece não apenas aqui mas em outros países. Nas escolas em que meus filhos estudaram em SP ou aqui em Fortaleza, acontece o mesmo.
Caso contrário, acho que as crianças se empanturrariam de hamburger com refrigerante, em vez de algo mais saudável. Nada que impedisse, claro, um filho de um novo risco de levar esturjão com ouro.
Enfim, não vejo nada conspiratório, só acho estranho quando ambos extremos, de direita ou esquerda, começam a encontrar conspirações em tudo que vêem :)
Abraços anômicos.
Pois é, Sophia,
As escolas alegam ter nutricionistas, mas servem nuggets de frango no almoço. Percebe aí como a coisa é séria?
Eu conheço o trabalho que o Jamie Oliver realizou na Inglaterra e realmente é de se tirar o chapéu. Onde iam espetinhos de salsicha entraram vegetais e grelhados, aquilo sim, ajudou as crianças.
Mas note: não foi mandatório.
O que me incomoda é isso, OBRIGAR alguma coisa.
E outra, os PAIS tem SIM obrigação de ver isso. Estipular tempo de televisão e computador, regular refrigerantes, isso é papel da escola.
Porque antes isso não acontecia? Nossos avós tinham mais tempo, com certeza, mas era menos preguiçosos na criação também.
Beijos!
Lia,
É o estado/uma instituição te dizendo o que é melhor para você.
Parabéns, você descobriu como um cubano se sente.
Beijos!
Querido,
acho que muitas crianças devem ter descoberto como um suco de fruta pode ser melhor que um Toddynho!
Eu acho bom a escola proibir cada um de levar o lanche que quiser. Lá tem nutricionista e certamente a escola irá prover um lanche mais nutritivo do que os que provavelmente iriam para as lancheiras dos pequenos. Além disso, eles não precisam logo cedo se chocar com a diferença de classe. O colégio de aplicação tem muitas crianças que mal tem o que comer em casa, e acho legal elas se sentirem iguais e se tratarem como tal.
Outra coisa: acho que o Emerson aí acima tem razão ao dizer que estranha quando ambos extremos, de direita ou esquerda, começam a encontrar conspirações em tudo que veem. E parece que vc está começando a ver conspiração em tudo...
Beijos
Querida Isabel,
Não existe conspiração, existe fato consumado. O estado, através da escola, se metendo na criação dos filhos das pessoas.
E quando você fala que "eles não precisam logo cedo se chocar com a diferença de classe", eles se chocarão quando descobrirem que isso existe. Pensarão "Ué, mas na escola não era assim...".
Não é melhor tratar isso como algo normal? Eu sei que nunca serei rico que nem o Eike Batista e nem por isso quero entrar pra algum sindicato e sugar as tetas dos fundos dos trabalhadores.
A extrema pobreza é que é anormal e TEM que ser combatida. O resto é da economia de mercado.
O país oferece oportunidades iguais? Não. Possui arremedos como bolsas e cotas, mas oportunidades de ascensão social NÃO.
Nos EUA você chega hoje, vira garçon amanhã, daqui a um ano é dono do restaurante se quiser e se esforçar para isso.
No Brasil morreria garçon.
Não é "nivelando" a merenda escolar que isso vai mudar, Cuba está aí pra provar isso.
Beijos,
Realmente, o problema é que deveria ser uma opção.
Querido Marcus,
a escola TAMBÉM educa os nossos filhos. Muitas vezes é lá onde as cianças passam a maior parte do tempo. Infelizmente, eu fico muito menos tempo com a minha filha do que eu gostaria. Por isso nós escolhemos escolas que tenham metodologias pedagógicas parecidas com as que consideramos ideal (sim, parecidas, pois nunca será exatamente como nós mesmos faríamos em casa). Eu lembro do meu tempo de escola, onde eu era a ÚNICA a levar fruta de lanche. Acho que o mais importante dessa questão é a qualidade da alimentação. E também, em segundo plano, a questão das diferenças sociais. E daí que um dia ele vai perceber que o colega ganhou um carro e ele um vale-transporte? Vc precisa antecipar esse choque? E além do mais, se a escola for boa, já terá preparado, de certo modo, essa criança para a realidade da vida. Acho que tem sido muito importante a minha filha estar num colégio público por isso: para ver que existem crianças mais pobres, que vivem numa outra realidade, mas que isso não as tornam diferentes dela; são crianças como ela, que estudam, brincam e se alimentam da mesma forma.
Beijos! :)
'Vivemos num país em que professores de história chamam a Coca-Cola de "água negra do imperialismo" e os EUA de "grande satã".
se esta é a tua opinião sobre o magistério, por que te preocupas com a merenda escolar?
a pergunta é: onde está o foco do problema? e melhor: como solucioná-lo? afinal de contas, a escola é do povo. mas cadê o povo na escola?
Que bom isso, criaremos hipocritas e seremos todos felizes?...não, obrigada. Meu filho leva seu obentô pra escola diariamente, e vai continuar levando, nem que pra isso eu tenha que entrar na justiça. O pequeno qdo não leva nada pra almoçar volta pra casa até hipoglicemico, tal pavorosa é a comida servida, democraticamente, na escola. O que é bom para o meu filho EU sei.
Fernanda,
Sempre achei que uniforme era pra coibir saias curtas demais, bermudas largas demais, etc, etc. Além do que no meu colégio após o 1º grau o uniforme não era mais obrigatório, sabe como é, eles incentivavam essa coisa estranha chamada "individualidade".
Abs
Marcus
Vc realmente acha que o uso do uniforme acaba com a individualidade? Primeiro a comida, agora o uniforme. Francamente...
P/ Isabel: Olha, a questão de incentivar uma alimentação mais saudável é mais do que válida. Mas e se minha filha é sensível a lactose e corantes, mas lá no lanche na escola quando não tem iogurte (sempre industrializado, claro), é leite com achocolatado, ou suco de caixinha. E aí? O que eu faço?
A gente recebe o cardápio do mês, e com toda certeza, te garanto que não é mais saudável do que o lanche que eu dou em casa: biscoitos, pães ou bolos feitos por mim (com ingredientes orgânicos, sem leite), ou frutas orgânicas, ou suco natural de fruta feito na hora, etc.
A escola pode, e deve, fazer uma lista de restrições, dizendo o que os pais NÃO podem mandar no lanche, e sugestões daquilo que é mais adequado, tal como acontecia na escola onde a minha filha estudava antes de nos mudarmos. Assim como era proibido mandar na lancheira refrigerantes e doces, eles recomendavam que os pais enviassem frutas pelo menos 3 vezes na semana, sendo que 1 dia na semana era obrigatório ter a fruta. Também recomendavam que a gente mandasse mais sucos feitos direto da fruta (ou de polpa natural de fruta), e evitássemos os industrializados.
Ou seja... em vez de ficar querendo forçar uma igualdade que não existe, eles procuravam orientar os pais da melhor forma possível. Haviam proibições, mas havia o bom senso também.
Nas escolas públicas, existem os pais que não tem condição alguma de mandar lanche pros filhos, porque não tem dinheiro. E tem aqueles pais que não podem pagar uma particular, mas podem oferecer uma alimentação um pouco melhor. Por que não aderir ao meio-termo? A criança que for comer o lanche da escola, os pais assinam lá uma ficha de inscrição. Os que forem levar lanche de casa, ficam registrados em outra lista, e recebem sugestões de cardápio, com instruções do que mandar ou não na lancheira da criança.
Assim se dá oportunidade e abertura a todos. E a orientação nutricional deve ser feita diretamente AOS PAIS, o que é muito mais efetivo, porque vão levar aquele aprendizado para as demais refeições da criança, em casa.
Pois é, né ? Falar o que da ditadura alimentícia subjacente nas nossas escolas ? Bom, em primeiro lugar que ótimo que algumas pessoas são autênticas, possuem opiniões sobre fatos do nosso dia-a-dia e ainda refletem e escrevem sobre eles ! \o/. É…realmente algumas escolas proíbem que os pais mandem guloseimas para que os seus filhos comam na hora do intervalo. Mas, o mais triste disso tudo, é que essa mesma escola que, além de proibir que suas crianças levem lanchinhos pra comerem, agendam um determinado passeio no parque X e com direito a um almoço Y no restaurante Z. E alertam bem: pais, não mandem nada e nem dinheiro porque está tudo certinho. Ou seja, a própria escola(entendendo escola como uma instituição que educa pessoas) acaba ferindo o princípio da isonomia que admite uma certa desigualdade a fim de se proporcionar uma igualdade efetiva. A escola trata igualmente os desiguais nivelando, assim, todos num mesmo patamar. É, coisas da vida !
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