quinta-feira, 8 de abril de 2010

O mito da remoção das favelas

O temporal que caiu sobre o Rio de Janeiro levou bem mais do que lixo pelas correntezas imundas das enchentes que causou, levou muitas vidas também. Centenas de mortos, outras centenas de feridos, milhares de desabrigados, sua grande maioria habitante das muitas encostas da cidade.

O mesmo relevo exótico que presenteou o Rio com uma beleza natural que encanta qualquer um, também cobrou seu preço com a falta de espaços urbanos e com a utilização deste relevo para um processo de favelização que terminou por roubar em muito esta mesma beleza.

Já falei disso aqui antes. Favelas são não apenas bolsões de miséria, sujeira, áreas sujeitas ao avanço do crime a reboque da ausência do estado. Favelas são horrorosas esteticamente. Substituem-se árvores e vegetação nativa por barracos, vielas, biroscas, lixo.

A tal regra que impede a construção acima da "Cota 100"(acima de 100 metros) é jogada no mesmo lixão que os restos de comida dos barracos, com os ratos passeando por cima.

E sempre que uma remoção, ainda que mínima, é tentada, logo aparecem as ONGs, os defensores da favelização, a justiça garantindo liminares, os demagogos de plantão e toda sorte de gente interessada em manter aquela chaga aberta na cidade.

Aí quando ocorre um temporal, tudo desaba e as pessoas são vitimadas, essa mesma gente corre para perguntar porque o poder público nada faz, como é que aquela situação foi permitida. Há mais de 50 anos, após outro temporal que também destruiu a cidade, alguns urbanistas elencaram diversas soluções para que o Rio de Janeiro amenizasse seus sofrimentos com as chuvas.

Entre limpeza e canalização de rios, ampliação do sistema de captação das águas e outras sugestões, estava a remoção total das favelas e o reflorestamento das encostas. No entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas existia um desses amontoados de barracos. Esta foto mostra como era a área antes da remoção.

Imagine como seria um dos cartões postais da cidade hoje se aquela favela ainda estivesse ali. Infelizmente esse tipo de ação parou. A demagogia e a busca do voto fácil não só fizeram com que sucessivos governos deixassem de combater essas invasões como passassem a estimulá-las.

Invadem uma área, constróem barracos, destróem a natureza, alguns fazem gato de luz, de net, de água e no final são premiados com a posse do terreno e com algum PAC, que vai urbanizar (leia-se maquiar) todo aquele caos incorrigível e ainda ganham internet Wi-Fi grátis de brinde.

A solução verdadeira, que é a remoção total e reassentamento em outras áreas da cidade, é satanizada de todo lado. "Vão morar aonde?", "Vai botar essa gente toda em que lugar?".

Ora, amigos. Com certeza não será em Ipanema, no Leblon e nem em Copacabana. Mora nesses lugares quem pode. Eu mesmo não moro em nenhum desses bairros assim como muita gente que não quer arcar com os custos da habitação ali também não.

Mas nem por isso levantei um barraco à beira-mar, na esperança de darem posse depois.

E assim tem que ser com quem mora nas favelas. Vão morar aonde podem, aonde há espaço. O poder público, se fosse sério, colocaria transporte público de qualidade nesses locais de reassentamento e a mobilidade estaria garantida, assim como a qualidade de vida de toda a cidade.

Não são soluções fáceis, é claro. Mas são bem menos custosas do que as vidas que se perdem de vez em quando nesses desabamentos, vidas perdidas para se defender posições coitadistas, para perpetuar essa política e essa visão "faveleira" de urbanismo.

Vidas trocadas por votos.

6 comentários:

EngDanni disse...

O Rio é que nem Miss Brasil 1940, era linda, tão linda que achava que nunca precisaria de plástica, botox ou filtro solar. Acontece que o tempo passou e ela barangou, o que fazer com o inconsertável agora?

Luís Guilherme Fernandes Pereira disse...

Sim, vidas são ceifadas. Mas parece que você está mais preocupado com os cartões postais.

Da mesma forma que é absurdo eu exigir do governo uma cobertura na Vieira Souto, também é absurdo jogar pessoas arbitrariamente para longe de onde elas construíram suas vidas.

Ninguém gosta de morar em favela. Mas é a chance que as pessoas têm de sobreviver. Moram num lugar degradado, violento e perigoso, mas conseguem com isso o emprego (que empregador quer gastar mais com Riocard que com salário?) de que precisam para sustentar-se, cuidar de sua família.

A remoção mais famosa tirou pessoas de um lugar de alta classe e jogou-as no fim-do-mundo, a famosa remoção do Leblon para a Cidade de Deus. A CDD se tornou um lugar degradado, violento e perigoso como as favelas, mas longe.

Isso é higienismo. Não quero essa feiúra perto de mim, à minha vista. Não quero ver favelas na Zona Sul.

Sim, remoções são necessárias, pela vida das pessoas. Mas o cuidado com o local para o qual irão é extremamente necessário. Jogar alguém que trabalhe no Centro em Guaratiba é acabar com a vida dessa pessoa. Ficará longe dos com que criou vínculos afetivos, perderá o emprego, não terá como sustentar os seus.

É muito fácil pedir isso quando moramos numa casa firme no asfalto, perto de nossos empregos, que nos pagam bem o suficiente para cubrirmos gastos extra com transporte.

Sim, viva a economia de mercado. Viva a livre iniciativa. Viva uma justa desigualdade, que incentiva o crescimento da economia, a saudável competição, o progresso material de todos. Mas é tremenda incoerência defender essa liberdade e clamar pelo Estado para tirar os feios, sujos e miseráveis de perto de nós.

mvsmotta disse...

Alexandre,

Depois de tudo o que você disse, com um brilhantismo histórico do qual eu nem poderia me aproximar, é incrível que ainda existam pessoas que defendam a solução fácil da manutenção destas verdadeirsa feridas abertas e supuradas pela cidade.

A remoção é a única solução. Este mito precisa cair.

Abs

Marcus

heli disse...

Adorei.....como sempre um olhar atento , uma análise equilibrada

Sergio Rafael disse...

"A demagogia e a busca do voto fácil não só fizeram com que sucessivos governos deixassem de combater essas invasões como passassem a estimulá-las." Essa frase do seu texto resume bem a genese do problema. É preciso, necessário e urgente que governantes serios, e com propósitos, criem planos de ocupação urbana da cidade que evitem a construção em área de risco. Botar o dedo na ferida é propor a desocupação de algumas áreas da cidade.

Isabel disse...

Ótimo texto e excelentes os esclarecimentos históricos do Alexandre.
Hoje o prefeito de Niterói disse que quando ele começou a governar a cidade (acredito que há alguns governos atrás, já que o PDT passou 15 anos na prefeitura de Niterói), estava começando a ocupação do Morro do Bumba, sobre um aterro sanitário desativado. Ele sabia disso e nada fez, permitindo, com sua omissão, que o número de famílias naquele local aumentasse significativamente. É justamente essa omissão dos nossos governantes que permitiu que o Rio de Janeiro e Niterói se tranformassem nessa enorme favela que são hoje. Se o mal tivesse tivesse sido cortado pela raíz (remoção dos primeiros barracos para evitar uma ocupação definitiva), muitos problemas que temos hoje poderiam ter sido evitados. Mas mesmo assim, o tempo de permanência em moradias irregulares não pode servir de desculpa para a não-remoção. Inclusive, parece que a questão das habitações irregulares se tornou um grande investimento. Hoje, residências nas favelas são negociadas a preços altos. Uma moradora que perdeu sua casa no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, disse que havia acabado de pagar 40 mil pelo imóvel. Na Rocinha, imóveis são alugados por R$500. Até mesmo casas do PAC têm sido alugadas por este preço.
Outra coisa: qual o problema de querermos uma cidade bonita? Por que temos que nos privar de paisagens arborizadas para conviver com lixo e barracos que estão lá ilegalmente? Sim, quero uma cidade bonita, mas quero acima de tudo ordem e segurança.

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