quinta-feira, 25 de março de 2010

Liberdade quer dizer liberdade

Sei que esse texto vai me causar algumas dores de cabeça, sei que vão me acusar até de ter assassinado Ghandi. Sei também que ainda tentarão colocar John F. Kennedy, Martin Luther King e o surgimento dos comerciais da Polishop na minha conta, mas tudo bem, é o preço de nadar contra a tal correnteza.

Estava lendo um texto da Ann Coulter ("Opa!" - muitos dirão - "Tá explicado o 'radicalismo' desse rapaz") onde ela contava os problemas que teve durante a preparação de uma visita que faria ao Canadá para dar uma palestra. A parte que me chamou a atenção especificamente foi a que ela conta ter recebido um email de um "progressista" advertindo-a para as leis canadenses que coíbem o "discurso de ódio".

Mais tarde esses defensores da liberdade fizeram um quebra-quebra na porta do auditório aonde ela falaria, acionaram o alarme de incêndio e ela não pode fazer seu discurso. Como notam, esses defensores da liberdade detestam a liberdade alheia.

Antes de mais nada deixem-me explicar quem é Ann Coulter. Ela é uma americana loiraça, bonita, bem educada, considerada uma das principais vozes do Partido Republicano e, mais ainda, do movimento conservador nos EUA.

É conhecida pela virulencia com que trata os assim chamados "liberais" por lá (aqui seriam os esquerdopatas mesmo) e por não ter nenhuma papa na língua. Diz o que quer, o que pensa, usando por vezes de um discurso sarcástico, pesado. Mas seu maior crime mesmo é ser bonita, inteligente e conservadora, quebrando o estereótipo obrigatório do velho-acima-do-peso-usando-óculos-e-com-cara-de-bobo que todo "progressista" adora aplicar aos que não concordam com eles.

Só que nos EUA existe e é praticado realmente o conceito de "liberdade de expressão". Lá um negro pode virar para mim e dizer "Seu branco desgraçado! Você e seus antepassados escravagistas mereciam uma cabeça de bacalhau enfiada na orelha!" e nada aconteceria com ele.

A Suprema Corte dos EUA não considera esse tipo de coisa como crime. Crime por lá é roubar, estuprar, sonegar, digirir embriagado. Emitir opiniões, por mais violentas que sejam não é crime. É um direito.

Lá o sujeito pode tatuar uma suástica na testa, que o maior risco que corre é o de ser chamado de ridículo. No Brasil não, aqui isso é um crime seríssimo. Ora, um brasileiro usando uma suástica merece tanta cadeia quanto um japonês no samba, um alemão tocando no Olodum ou o Roberto Carlos na Copa de 2006.

São apenas atitudes que não se encaixam com certas situações, não um crime (tudo bem, o meião do Roberto Carlos foi um crime).

No Brasil (e pelo visto no Canadá também) a liberdade de expressão limita-se à liberdade de dizer aquilo que é considerado apropriado. Ou seja, você pode dizer o que bem entender, desde que sua posição não incomode demais muita gente.

Eu considero inaceitável, por exemplo, que se obrigue pessoas a usar diferentes entradas em prédios, elevadores e até assentos em transportes coletivos baseados na cor de sua pele. Não é algo próprio de uma sociedade civilizada.

Mas não considero crime de forma alguma alguém chamar um oriental de "amarelo" ou um negro de "macaco". Desculpem os metidos a avançados, que acham que isso tudo é coisa de "sociedade atrasada", mas não é. Se me chamam de "cachorro!" ou algum cara barbudo de "bode!" ou ainda um velho roqueiro de "dinossauro!", tudo isso tem peso igual.

Liberdade é você permitir que o outro diga algo até que o ofenda, desde que não caia em calúnia ou difamação, estes sim, crimes previstos na lei de qualquer país civilizado.

Você dizer "seu negro ladrão" a um homem inocente no Brasil, é mais sério pela parte do "negro" do que pela do "ladrão", ou seja, admite-se que o outro seja chamado de criminoso, mas não que se fale da cor da pele.

Já vão logo dizer que esse é um texto que defende o "raciiiiissssssmo" veladamente, mas na verdade não é. Não acho que a cor da pele seja ofensa a ninguém e por isso mesmo não deve haver punição alguma por conta disso.

Se me chamarem de "braaaaaaanco" ou mesmo de "cabeçãããããão" por qualquer razão, o máximo que eu exijo como direito é poder chamar o sujeito do que eu quiser também, desde que não use termos como "corrupto!" ou ainda "Dilma!".

Como disse acima, dividir as pessoas e estabelecer lugares determinados a elas em uma sociedade baseado em cor, credo, classe social, etc, é errado, deve ser combatido com todas as forças antes de tudo por ser uma atitude inumana, mas verbalizar opiniões, sem incitar violências ou imputar crimes ao outro deveria ser normal em qualquer país civilizado.

E antes que apareça algum estudante de direito aí nos comentários me dizendo que a lei "diz isso, isso e isso", eu aviso: sei o que diz a lei, sei que no Patropi qualquer dia será crime contar piada do Joãozinho sob pena de ofender os alunos "menos capacitados", mas o que digo aqui é que não concordo com isso, acho ridículo e extremamente inócuo.

Senão vejamos, nosso país hoje é mais civilizado, menos violento ou menos machista por conta dessas leis estúpidas? Ou tornou-se um lugar de paranóicos, onde uma pessoa acusa a outra de racismo ou injúria até por causa de uma briga no futebol da pracinha?

Tenho mais portugueses na família do que um pote de tremoços e acharia ridículo se de uma hora pra outra surgisse alguma lei contra a "Injúria aos Luso-Descendentes". Sou do tempo em que chamar "bicha" de "bicha" terminava em duas situações: troca de sopapos caso o sujeito não fosse ou então namoro, caso os dois descobrissem uma vocação oculta.

Hoje em dia não, isso também termina em delegacia.

Liberdade de expressão? Nada, no Brasil existe é frescura.

10 comentários:

Anonymous disse...

Pois é, vivemos sob a intolerância dos tolerantes. Isso justifica todas as piadas americanas sobre canadenses. Justifica também o nosso eterno atraso cultural e intelectual.
Ótimo texto!

Ana Maria Sales disse...

Pronto! Agora além de te seguirno twitter, vou ter que seguir teu blog! rsrsrs Texto quase camicase,mas reconheçamos, EXCELENTE! Parabéns, dá uma certaesperança saberque se resolvermos nadar contra a correnteza encontraremos pessos de valor!

Joel disse...

Aí, velho, bom texto. Legal o modo como tu defende teu ponto de vista. Não sou politicamente correto em nada, mas sou a favor do respeito ao próximo, acima de qualquer segmentação social. Por isso não sinto necessidade de sair apontando o dedo pra quem quer que seja, vomitando minhas opiniões sobre o que eu penso a respeito do que ela é(ou, no caso, do que ela representa na sociedade). Mas tá de boa, valeu pela oportunidade de refletir sobre um assunto tão espinhoso.

Paulo Bono disse...

Gostei muito do seu ponto de vista, Motta. Concordo. Embora considere que as variáveis sobre os negros merecem outro olhar, mais cuidado. Sei lá, o preconceito contra o negro é um mal histórico, sério demais. E por outro lado, já reparou que não pode sacanear negro, viado, judeu, árabe, o escambau. Mas o preconceito contra gordos é permitido, porque é engraçado?

grande abraço

Danilo B. disse...

Chamar alguém de macaco pela semelhança da cor é o mesmo que chamar alguém de baleia pela proporção do corpo. Ambos podem ser encarados como xingamento (comparar a uma animal) ou simplesmente encarados como provocação bem humorada entre amigos. Mas nunca deverá ser encarado como preconceito, racismo ou discriminação.

Seu Gordinho disse...

Concordo com você, acho que hoje em dia a sociedade caminha para o caminho de uma vida cada vez mais "fresca" onde não podemos fazer, dizer e/ou escrever o que quisermos porque vai ofender algo ou alguém, concordo que devem existir leis para coibir certas coisas, mas atualmente estão se focando em coisas muito menos importantes... Parece que se esforçam mais para punir ou mostrar à sociedade alguém que chamou outra pessoa de "Macaco" do que se concentrar em punir os verdadeiros criminosos, sejam eles ladrões, assassinos, estupradores ou políticos.

Luiz disse...

Grande texto. Realmente nadando contra a correnteza.

Hoje já é quase insuportavel a maneira como temos que pisar em ovos para falar com qualquer pessoa sobre qualquer tema. Somos patrulhados por todos os lados, pelo nosso modo de comer, falar, vestir...

Não se pode mais falar que alguem é gordo porque o termo menos ofensivo agora é pessoa com sobrepeso, não podemos comer um belo bife porque algum vegan vai se sentir ofendido pelos milhões de boizinhos e vaquinhas que se sacrificaram para eu ter uma refeição saborosa.

Se formos seguir rigorosamente tudo o que é imposto pela ditadura do politicamente correto não comeremos nada, não vestiremos nada, não falaremos nada, será que vão nos permitir, ao menos, pensar?

Alguns nem isso fazem mais... já estão rodando no piloto automatico.

Parabéns pelo texto.

Julius Henry disse...

Muito bom!
Cara, eu também já estou com o saco cheio desses perebas politicamente corretos. Não tenho nada contra uma cor ou outra e nada contra o cara querer transar com homem. Mas quero ter o direito de chamar o negro de negro e o bicha de bicha. Assim como me chamam de branco. E daí? Sou mesmo!
Agora, prá nadar contra a corrente, tem que ter peito. E você tem.

Kilber Aurelio disse...

Olha te adimiro muito pela coragem de fazer um texto desse ... mas é a triste realidade tudo agora é preconceito , o simples fato de a gente dizer pra uma pessoa olha aquele negrinho ali já é suficiente para irmos a juri como os piores bandidos do mundo .
Há uma distorção nos valores da sociedade e uma falta de esclarecimento para se distinguir caracteristicas de ofensas ...

pradebon disse...

Como tu mesmo disse: LIBERDADE!

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